Título de doutor perde força na rede privada – Publicada em 11.01.2005
Ao fazer na semana passada o exame demissional em uma universidade particular na qual dava aula, o professor José Carlos Abrão percebeu que ele e seus colegas na fila de espera tinham algo em comum: eram docentes com a mais alta titulação acadêmica, o doutorado. A alta qualificação, porém, de nada adiantou. A instituição, em Ribeirão Preto, decidiu cortar gastos e não poupou nem os professores mais titulados.
Doutor em educação pela USP, Abrão acredita que, a exemplo de outros colegas doutores, foi dispensado por custar mais caro à universidade. Isso porque muitas universidades têm plano de carreiras em que prevêem um salário maior a quem tem título de doutorado. Em alguns Estados, acordos coletivos também garantem esse adicional por titulação.
“O doutor custa mais caro à universidade. Em várias faculdades e centros universitários está acontecendo esse mesmo processo de dispensa de doutores”, diz.
Wilson Brinkmann, um dos diretores do Sindicato dos Professores de São Paulo, concorda. Ele estava na semana passada de plantão no sindicato homologando demissões e diz que presenciou vários casos parecidos. Para ele, a situação é causada em parte por causa da legislação educacional.
“Muitas universidades contrataram doutores para se adequar à legislação, mas os colocaram para dar aulas. Como eles custam mais caro, muitas vezes são demitidos. Isso acontece porque a lei não determina o percentual de mestres e de doutores que a universidade precisa ter. Diz só que é preciso ter um terço do corpo docente com titulação, podendo ser mestrado ou doutorado”, diz Brinkmann, citando o artigo 52 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
As estatísticas do Censo da Educação Superior do MEC confirmam que na rede privada o interesse por professores com alta titulação é muito menor.
Em 2003 (ano do último censo divulgado pelo MEC), a proporção de doutores nas universidades públicas era de 41% do total de docentes, quase o triplo do encontrado nas universidades privadas -apenas 15%.
Os dados mostram ainda que, de 2000 para 2003, houve pouca variação nesse percentual nas universidades privadas, nas quais a proporção de doutores passou de 14% para 15%. Nas públicas, passou de 34% para 41%.
Também fica claro pelas estatísticas do censo que as universidades particulares têm preferência pelos professores com título de mestrado, já que eles são 40% do total nessas instituições. Na rede pública, esse percentual é de 29%.
O reitor do centro universitário UniCarioca, Celso Niskier, diz que o aproveitamento de doutores depende do tipo de instituição: “Nas instituições particulares que não estão apostando na transformação em universidade e que não querem investir em pesquisa, o doutor é visto só como custo e está perdendo mercado”.
Para ele, nessas instituições a preocupação é cumprir o percentual mínimo exigido de mestres e doutores, que, no caso das universidades, é de um terço do corpo docente. “Esse percentual mínimo acaba virando o máximo.”
Desinteresse
A falta de interesse na melhoria da titulação do corpo docente é sentida ainda por quem já tem o título de mestrado e que procuram conciliar a atividade de professor com o curso de doutorado.
É o caso de Antônio Agenor de Melo Barbosa, que já deu aulas em universidades particulares do Rio. Ele é mestre em urbanismo e doutorando no curso de ciências da arquitetura da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. “O que essas instituições buscam é mostrar ao MEC que o professor já tem qualificação de mestre, mas elas não ajudam nem investem para que seu corpo docente possa se qualificar em instâncias acadêmicas superiores.”
O arquiteto reclama que muitas instituições, além de não respeitarem a legislação trabalhista, contratam professores -mesmo os com titulação acadêmica- principalmente como horistas, ou seja, profissionais que recebem de acordo com a hora de aula dada.
Dados do censo do MEC confirmam isso: em 2003, na rede privada, 56% dos professores eram contratados como horistas. Na pública, eram 5%.
Instituições reconhecem problema
O diretor-executivo da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), José Walter Pereira dos Santos, reconhece que há a necessidade de aumentar a proporção de doutores nas instituições privadas.
Santos afirma, no entanto, que as instituições têm feito esforços para melhorar a titulação de seu corpo docente e cobra do governo federal mais apoio.
“A formação de doutores interessa demais às universidades privadas. Você pode avaliar uma universidade pela biblioteca que ela tem e pela quantidade de doutores e mestres. Por aí dá para ter uma idéia da força que ela tem para funcionar e produzir ciência.”
Segundo o diretor-executivo da Anup, uma prova da preocupação por parte das instituições privadas com a titulação de seus professores foi a criação, em 1998, da Funadesp (Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular).
A entidade possui um programa de bolsas com objetivo de fomentar a pesquisa e capacitar recursos humanos.
Apoio público
“Estamos fazendo esse esforço porque sabemos que é necessário que as universidades privadas tenham o maior número possível de doutores e mestres, mas acho que está na hora de o Estado olhar mais para essas instituições”, diz.
Satos afirma que tem percebido “uma mudança tímida” nessa postura no atual governo, mas reclama que, historicamente, o pode público tem discriminado as instituições privadas.
“Existe uma política discriminatória do governo federal no financiamento de bolsas de pesquisa. A Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] são órgãos que se destinam quase que exclusivamente ao financiamento de bolsas para o sistema público federal”, afirmou.
Fonte: Folha de São Paulo – 10.01.2005