Sobre a pseudo-gratuidade na UPE – Publicado em 26.05.2006
*Raílton Bezerra de Melo
O governo do estado vem noticiando com estardalhaço a concessão da gratuidade aos alunos da UPE. Analisando o decreto que institui a tal gratuidade (Decreto nº 29.214, de 19 de maio de 2006), chegamos à conclusão que tudo não passa de uma falácia. Para que não se pense que essa é apenas mais uma opinião, vamos aos fatos, desmistificando, item por item, o tal decreto:
Art 3º São requisitos para acesso ao programa:
I – Ter sido estudante de escola pública do Estado ou de seus municípios nos últimos 03(três) anos.
Está claro, somente poderão participar do programa os alunos que tenham cursado os três últimos anos na escola pública. Excluindo desta forma todas as situações que não se insiram neste conpost_content, pode-se assim imaginar que o aluno que não foi aprovado no vestibular do ano anterior e, logicamente já tenha concluído o 2º grau, permanecendo estudando em casa para enfrentar novo vestibular no ano seguinte, não terá direito à bolsa, já que no último ano não cursou nenhuma escola pública.
Da mesma forma, alguém que por algum motivo teve a ajuda financeira de outrem ou uma bolsa de alguma instituição, durante um ano e depois teve cessada esta ajuda, também não terá direito à gratuidade pois não cursou completamente os 3 últimos anos em escola pública estadual ou municipal.
O Projeto peca também em não contemplar os alunos oriundos de escolas públicas federais, de outras universidades ou de escolas técnicas, o que é muito freqüente nas faculdades de engenharia.
II – Não ter vínculo de emprego
Trata-se de um desestímulo ao trabalho. Apenas os alunos que não tenham nenhuma atividade laboral poderão receber a bolsa de gratuidade, desestimulando-o à procura de uma atividade remuneratória (mesmo que seja em apenas um expediente) e possa, com isto, adquirir seus livros, se alimentar e até mesmo se deslocar até a sua unidade de ensino.
Caso o aluno seja arrimo de família e necessite trabalhar para garantir as necessidades básicas da sua prole, também não terá à ajuda da bolsa.
Art.4º Serão desligados do Programa Estadual de Incentivo Acadêmico:
I – ……………………………………………………………………….
II – Os estudantes que não contribuam, de alguma forma, com seu aprendizado universitário para o aprimoramento educacional da sua escola de origem
Não é raro encontrar estudantes que cursaram o ensino médio em escola pública num determinado município e são alunos da UPE em outro município bastante distante. O aluno estudou em Recife e foi aprovado no vestibular da Faculdade de Formação de Professores de Petrolina, por exemplo. Como poderá trazer contribuições com seu aprendizado universitário para o aprimoramento educacional da sua escola de origem? Esta contribuição deveria ser feita de forma que possibilitasse uma atuação mais ampla e não limitada a uma área geográfica.
III – Os estudantes que possuírem, na vigência do Programa, outras modalidades de bolsas de estudo, científicas ou não, de instituições públicas do Estado.
Este artigo é um desestímulo à atividade científica e de extensão. Só poderá participar do programa o aluno que não tenha outra bolsa, mesmo que seja de atividade acadêmica, científica ou de extensão. Ou seja, só poderá ter bolsa o aluno que não desenvolva outra atividade dentro da UPE, que limite-se apenas a comparecer às aulas e ser aprovado nas avaliações a que será submetido. Isso evidencia o conceito estreito que o governo faz da universidade.
O benefício alardeado amplamente pela mídia do governo estará restrito as faculdades de formação de professores, cuja mensalidade é em torno de R$20,00 (vinte reais), a alguns poucos alunos da escola Politécnica, cujo valor da mensalidade é em torno de R$ 70,00 (setenta reais). Não encontramos nenhum aluno, exceto os cotistas, que sejam oriundos de escolas públicas nos cursos de Medicina e Odontologia. Portanto, a grande maioria das bolsas concedidas será de R$ 20,00 (vinte reais mensais) e algumas de R$ 70,00 (setenta reais), o que no máximo representará 1/5 do salário mínimo.
É lamentável que o governo do estado tenha esta idéia equivocada de universidade. Mais lamentável ainda é que pretensos candidatos aos maiores postos de direção na UPE compartilharem desta visão e, numa postura típica dos submissos, fazerem grande louvação às migalhas concedidas.
A gratuidade na escola pública é dever do estado e deve passar pela autonomia plena da Universidade de Pernambuco.
*Raílton Bezerra de Melo é Presidente da ADUPE