Reforma universitária opõe instituições federais e privadas – Publicada em 14.02.2005

ANTÔNIO GOIS
da Folha de S. Paulo, no Rio

O projeto de reforma universitária proposto pelo MEC está colocando em lados bem distintos (e opostos) as universidades federais e as instituições privadas. O documento ainda está em fase de discussão e o governo estipulou um prazo até o dia 28 deste mês para recolher contribuições e críticas ao projeto.

Se o governo é acusado por alguns setores à esquerda de ser uma mera continuação do anterior na área econômica, na educação o projeto apresentado pelo MEC tenta ser coerente, ao menos no discurso, com o que o PT sempre defendeu enquanto esteve na oposição. Essa constatação, dependendo de quem a faz, ganha ares de elogio ou crítica.

É muito fácil entender por que a reforma provocou reações tão distintas no setor federal e no privado. Ao apresentar as razões da reforma, o MEC deixa claro que seu objetivo com o projeto foi “fortalecer a universidade pública” e “impedir a mercantilização do ensino superior”.

Se o projeto for aprovado no Congresso exatamente da maneira que o governo sugeriu, as universidades federais terão ampliado de 70% para 75% o gasto mínimo que o MEC terá de ter com elas em seu orçamento. Terão ainda a garantia de que não receberão menos recursos de um ano para o outro.

Ainda mais significativo do ponto de vista dos recursos será a retirada dos gastos com funcionários e professores aposentados da conta de custeio da educação.

Do lado das instituições privadas, as notícias não geraram entusiasmo –ao contrário. Pela proposta, criam-se critérios muito mais rígidos para o credenciamento de uma universidade, que terá de preencher índices de excelência em ensino e pesquisa. A não-observância desses pré-requisitos poderá levar ao descredenciamento da universidade.

Também aumentam as ingerências externas sobre as privadas. Será obrigatória a criação de um conselho comunitário social, onde sindicatos, associações de classe e entidades corporativas terão assento garantido. Esses conselhos poderão opinar e fazer relatórios sobre o desempenho da instituição que terão, pela lei, de ser levados em conta no processo de avaliação daquela entidade.

O projeto fala ainda de um conselho superior com “representação de docentes, discentes, funcionários e da comunidade responsável pela elaboração das normas e diretrizes acadêmico-administrativas”. Nesse conselho, os administradores da instituição e integrantes da entidade mantenedora terão direito a ocupar, no máximo, 20% das vagas.

Outro artigo determina que pelo menos um dos pró-reitores da instituição seja escolhido por eleição direta “pela comunidade”.

Como o projeto não entra em mais detalhes sobre o grau de interferência desses conselhos na administração direta da instituição, eles poderão ter caráter quase que meramente figurativo ou representar uma instância de interferência direta nas decisões dos administradores.

Em documento entregue ao ministro Tarso Genro (Educação), o Fórum Nacional da Livre Iniciativa na Educação (entidade que reúne 24 associações que representam instituições privadas) não poupa críticas ao projeto.

“No que concerne ao sistema privado, o anteprojeto se mostra intervencionista, inconstitucional e nocivo ao esforço da livre iniciativa em aprimorar os seus projetos e programas educacionais. (…) O MEC procura estender às instituições privadas sua postura de mantenedor, impondo regras e procedimentos para os quais não possui prerrogativas constitucionais ou legais”, diz o documento. As entidades reclamam ainda que o PT, ao propor a reforma, está fazendo da educação “um projeto de governo, e não uma política de Estado”.

Para o cientista político Edson Nunes, presidente da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, o projeto apresentado pelo MEC tem realmente a cara do PT, mas ele dificilmente ficará com a mesma cara quando for discutido na Casa Civil e no Congresso.

“A reforma começou com a discussão de um projeto doutrinário, onde estão claras as preferências do partido eleito e das forças associadas a ele. Mas, passada essa fase, virá a da realpolitik, onde as políticas doutrinárias serão substituídas pelas pragmáticas. A área econômica, por exemplo, ainda não foi consultada”, afirma. Para ele, o projeto tem a cara do PT também nos artigos que falam da participação da comunidade.

O ex-ministro da Educação Paulo Renato Souza, que ocupou o cargo durante os dois mandatos de FHC, viu no projeto a influência de sindicatos e das universidades federais: “O projeto foi escrito pelos sindicatos, pela UNE e pelas entidades corporativistas das federais para aumentar seus recursos sem serem cobrados”.

Para o senador Cristovam Buarque (PT-DF), também ex-ministro da Educação, o principal defeito do projeto está justamente nos pontos em que ele não toca. “O projeto não toca na estrutura da universidade. Ela não pode mais ser uma mera soma de departamentos. É preciso criar centros permanentes de formação para que o formado volte regularmente para se atualizar. Essa proposta não leva em conta que, hoje em dia, os diplomas ficam obsoletos muito depressa”, diz Cristovam, que afirma que apresentará uma outra proposta de reforma no Senado.

Expansão

Nos últimos dez anos, o setor privado cresceu num ritmo muito maior do que o público. De 1994 a 2003, o número de matrículas no setor particular aumentou 183%, enquanto essa porcentagem foi de 65% no setor público.

Esse crescimento do setor privado foi reflexo da política do governo anterior, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que estabeleceu novas regras para a abertura de cursos e instituições de ensino superior.

Com a expansão maior do setor privado, a proporção de alunos matriculados nessas instituições, que já era grande em 1994 (58% do total), chegou a 71% em 2003.

Comparação feita pelos pesquisadores Edson Nunes, Enrico Martignoni e Leandro Ribeiro, do Observatório Universitário da Universidade Candido Mendes, mostra que esse padrão de “privatização” do setor foge à média verificada em 14 países desenvolvidos da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Nesses países, pouco mais de um terço (36%) dos estudantes está na rede privada.

Apesar de o Brasil destoar dessa média, a comparação internacional mostra também que não é o grau de “privatização” que determina, necessariamente, o sucesso ou fracasso. Japão, Coréia do Sul e Israel têm percentuais de alunos na rede particular ainda maiores do que o Brasil. Essas proporções são de, respectivamente, 73%, 77% e 88%. Esses países, com freqüência, são apontados como modelos de nações que investiram na qualidade da educação.

Fonte: Folha de S. Paulo, 14.02.2005

Tonny
Author: Tonny

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