Proposta de reforma sindical chega ao Congresso dividindo opiniões – Publicada em 03.03.2005

O governo entregou ontem ao Congresso Nacional a proposta de reforma sindical, mostrando-se aberto para negociar a proposta, que levou mais de um ano para ser construída. Fruto das discussões do Fórum Nacional do Trabalho (FNT), a reforma passará por uma comissão especial e pela comissão de Constituição e Justiça da Câmara antes de ser votada em plenário.

A proposta de reforma sindical consiste em um Projeto de Lei (PL) e uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). A proposta prevê modificações nos artigos 8, 11, 37 e 114 da Constituição Federal e trata de aspectos como fim da unicidade sindical, organização sindical dentro das empresas, composição de conflitos econômicos através da conciliação, mediação e arbitragem e criação de um Conselho Nacional de Relações do Trabalho (CNRT) que terá entre outras atribuições comprovar a representatividade das entidades sindicais.

“Essa não é a reforma ideal do governo, nem a proposta dos sonhos dos trabalhadores, tampouco a do agrado dos empresários, mas por isso ela é a melhor porque é consensual. Mas isso não impede que todos os partidos discutam a proposta sem o embate entre governo e oposição”, afirmou o ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, tentando carimbar a palavra consenso num projeto que está muito longe de conquistar a unanimidade, seja entre trabalhadores, seja entre os patrões. Tanto é assim que, enquanto os presidentes da CUT (Central Única dos Trabalhadores) e da Força Sindical acompanhavam em Brasília a entrega da proposta governista; em São Paulo, centenas de lideranças sindicais se reuniam no auditório Nereu Ramos da Assembléia Legislativa para um ato contra a referida proposta de reforma sindical.

Chá de cadeira

Acompanhado de algumas lideranças sindicais e do ministro da Coordenação Política, Aldo Rebelo, Berzoini foi pessoalmente ao Congresso levar a proposta desenhada no FNT. Uma cerimônia foi preparada na Câmara para marcar a entrega dos documentos aos deputados.

Rebelo e Berzoini aguardaram por cerca de duas horas o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), que estava reunido com os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) para discutir o aumento do salário dos ministros do Supremo e de parlamentares.

Ao chegar, Severino foi vaiado pelos participantes e durante o discurso pediu desculpas pelo atraso e voltou a dizer que foi eleito à presidência da Câmara para mudar o trâmite dos projetos. “Eu vou mudar a Câmara para que os projetos importantes para o Brasil não fiquem demorando nas comissões e sejam votados rapidamente pelo plenário”, afirmou, constrangido, o deputado.

Bem-humorado, o ministro Aldo Rebelo demonstrou não estar incomodado com a demora: “O povo brasileiro às vezes tem que esperar muito mais, então eu tenho que ter paciência.” Segundo Rebelo, a reforma sindical deve ser negociada com o Congresso para que seja aprovada. “Negociando e discutindo, é possível aprovar”, ressaltou.

Divergências

Além das conhecidas divergências existentes entre os sindicalistas sobre o teor da reforma, também no Congresso algumas vozes se levantam questionando pontos da proposta. Uma destas vozes é a do senador Paulo Paim (PT-RS), sindicalista há mais de 30 anos e que sempre se destacou, na Câmara dos Deputados e no Senado, na discussão dos temas trabalhistas. Para Paim, “sem bom senso e muita negociação dificilmente o projeto de reforma sindical será aprovado no Congresso, neste ano ou mesmo no ano que vem”.

Conforme o senador, há muitas divergências no interior do movimento sindical sobre a reforma e que, até o momento, não foram dirimidas por consensos. Ele citou, por exemplo, a questão da contribuição obrigatória, pela qual todos os trabalhadores precisam descontar um dia de trabalho em favor das estruturas sindicais oficiais. Ele cita também a falta de acordo relação ao real poder das negociações entre empregados e patrões e o próprio Paim não aceita que o negociado prevaleça sobre o legislado. “Lei é lei e sem a afirmação desse princípio não haveria razão para a existência do Congresso Nacional”, afirmou o senador do PT.

Paim adiantou que a CUT não concorda com todos os termos da proposta de reforma sindical do governo e citou a representação dos empregados nos locais de trabalho, não garantida pelo projeto.

Já a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), que ocupou a tribuna em nome da liderança do PT, ressaltou que coube ao presidente Lula a “coragem” de iniciar o debate da reforma, voltado para melhor oxigenar as representações de classe, ao criar o Fórum Nacional do Trabalho”.

Na avaliação da senadora, o projeto do governo agenda duas propostas fundamentais à adoção de um novo modelo institucional de representação classista: o fim progressivo do princípio da unicidade sindical e da contribuição obrigatória que, segundo a Ideli, seriam “categorias vinculadas a um tipo de estrutura sindical arcaica, retrógrada e com distorções significativas”. Acontece que são justamente estes dois pontos os que mais dividem a opinião dos sindicalistas.

Ato de protesto

A divisão de opiniões no seio do movimento sindical em relação à reforma pôde ser dimensionada na manifestação que reuniu, ontem, cerca de 400 lideranças sindicais na Assembléia Legislativa de São Paulo. Os organizadores da manifestação foram surpreendidos pelo comparecimento massivo e a representatividade do ato, convocado “à última hora”, e que reuniu dirigentes nacionais da CUT, CGT e algumas dezenas de entidades sindicais. A proposta do governo foi alvo de severas críticas, já que está longe de obter o consenso da maioria do movimento sindical e aponta para a fragmentação e o enfraquecimento das organizações, na opinião do vice-presidente da CUT, Wagner Gomes.

Somente 13 entre os 25 membros da Executiva Nacional da CUT, todos ligados à Articulação Sindical (Artsind), estão apoiando o projeto de reforma, ainda assim com ressalvas. São números que indicam uma profunda divisão no interior da Central em relação ao tema, cabendo ressaltar que mesmo no interior da força cutista majoritária o consenso sobre o tema é mais formal que real.

O projeto do governo também joga água no moinho dos capitalistas na medida em que abre caminho à flexibilização dos direitos trabalhistas e ao princípio de que, no final das contas, o negociado deve prevalecer sobre o legislado, característica que o governo FHC quis impor sem sucesso há alguns anos.

Durante a reunião, os sindicalistas aprovaram uma nota “Contra este projeto de reforma e em defesa dos direitos dos trabalhadores”.

Fonte: Diário Vermelho

Tonny
Author: Tonny

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