O 8 de Março de 2005, visto de Brasília
O Dia Internacional da Mulher — a ser comemorado nesta terça-feira, 8 de março — foi instituído em 1910 para reafirmar, a cada ano, a luta das mulheres pela igualdade de direitos e resgate de sua cidadania. As mulheres hoje representam parcela cada vez maior da população economicamente ativa e a maioria nas escolas e universidades.
No Brasil, ela já têm o que comemorar, como o direito de voto e direitos iguais na Constituição. Mas, apesar das conquistas, ainda vigoram padrões, valores e atitudes discriminatórias no universo masculino/feminino. Dados oficiais retratam a desigualdade gritante da situação salarial feminina brasileira equivalente, em média, a 63% dos salários dos homens.
Transformado em símbolo da luta pela emancipação de gênero, o Dia Internacional da Mulher comemora avanços contra o preconceito, a discriminação e a violência enfrentados pelas mulheres. Na capital federal e nos estados, acontecerão diversas homenagens, manifestações e eventos durante toda a semana.
Descriminalização do aborto
O governo Luiz Inácio Lula da Silva criou, no final do ano passado, Grupo de Trabalho da Descriminalização do Aborto, com objetivo de promover a discussão sobre o assunto em nível técnico, focado na saúde pública e nos direitos humanos da mulher. O Grupo de Trabalho terá autonomia para elaborar um projeto de mudança na legislação, a ser encaminhado ao Congresso Nacional ainda este ano.
A legislação atual, que tem mais de 60 anos de vigência, encara o aborto como crime, exceto no caso de estupro ou risco de morte para a mulher. E prevê penas de um a três anos de prisão para os demais casos de aborto. Na prática, as penas não são aplicadas, dada a situação de clandestinidade, responsável por alta taxa de mortalidade de mulheres em decorrência de complicações médicas posteriores.
Cerca de um milhão de abortos são realizados a cada ano no Brasil, de acordo com estimativa baseada no número de curetagens pós-aborto realizadas pelo SUS.
Grupo favorável
Na formação do Grupo de Trabalho, o Conselho Nacional de Políticas para Mulheres escolheu os outros participantes, mas ainda não definiu se haverá representação religiosa para a formulação da proposta. O governo quer impedir o predomínio da discussão moral sobre o assunto. Os representantes escolhidos são majoritariamente a favor da descriminalização do aborto.
O Conselho é um órgão deliberativo da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres e tem 35 integrantes.
As representações feministas no Grupo de Trabalho são: Schuma Schumaher, da Articulação de Mulheres Brasileiras; Maria Ednalva Bezerra, da Comissão de Mulheres da CUT; Lia Zanota, da Rede Feminista de Saúde; e a ex-deputada Maria Elvira, pelo Fórum de Mulheres do Mercosul. Todas são associadas às Jornadas Brasileiras pelo Direito ao Aborto Legal e Seguro, que agregam grande número de entidades.
O Executivo e o Legislativo terão também seus representantes, já que o Grupo é tripartite. Participam a Secretaria Geral da Presidência; Casa Civil; Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres; ministérios do Planejamento, da Justiça e da Saúde, e, pelo Parlamento, três representantes do Senado e três da Câmara dos Deputados.
Programação
Nessa terça-feira, a programação em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, em Brasília, fica a cargo da Assembléia Legislativa do Distrito Federal, que promoverá, às 12h30min, palestra sobre A Mulher o Mercado de Trabalho, no espaço do Servidor; e, a partir das 18 horas, sessão solene no Espaço Zumbi dos Palmares, no Conic, a partir das 18 horas. Em seguida, haverá show artístico.
No Conjunto Nacional, às 12 horas, haverá inauguração da “Árvore dos Desejos”, o lugar ideal para você pendurar o seu desejo de uma sociedade mais justa para com as mulheres. Estarão presentes parlamentares federais e distritais.
Na quarta-feira (9), a programação inclui lançamento do caderno de post_contents do Núcleo de Mulheres do PT, na Câmara dos Deputados; vigília em defesa da aposentadoria das donas de casas em frente ao Ministério da Previdência; e palestra sobre Cidadania, Direitos e a Luta das Mulheres, no Teatro dos Bancários.
O Senado Federal concentra as atividades da quinta-feira (10), com sessão solene destinada a lançar o Ano Internacional da Mulher Latino-Americana e Caribenha e Entrega do Prêmio Mulher Cidadã Bertha Lutz.
A cerimônia vai reunir personalidades femininas como a primeira-dama do país, Marisa Lula da Silva; a primeira-dama da Bolívia, Elvira Salinas; de Honduras, Águas Ocaña de Maduro; as ministras Marina Silva e Nilcéia Freire, entre outras. Elas participam também da abertura do painel “Um Olhar sobre a Mulher Latino-Americana e Caribenha”, no auditório do Interlegis do Senado Federal.
Maria Cláudia
A jovem assassinada no final do ano passado em Brasília, vai figurar como personagem nas manifestação pelo Dia da Mulher na quinta-feira (10). Às 14h30, será lançado um manifesto contra a violência e a impunidade, pelo “Movimento Maria Cláudia”, no gramado em frente ao Congresso Nacional. E às 16 horas, o Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB/AL) recebe em audiência os manifestantes do Movimento.
Desde que a ONU designou 1975 como o Ano Internacional da Mulher e estabeleceu a Década da Mulher (1976 a 1985), foram promovidas quatro conferências mundiais sobre a mulher. A primeira foi realizada na Cidade do México; a segunda, em Copenhague, Dinamarca; a terceira, em Nairobi, Quênia; e a quarta em Pequim, China, com a participação de mais de 180 países e cerca de 35 mil pessoas.
Este mês, os países-membros voltaram a se reunir, em Nova York (EUA) para examinar o que foi realizado nos últimos dez anos em favor dos direitos das mulheres.
A Plataforma de Ação de Pequim, ali aprovada, reafirma os avanços conseguidos pelas mulheres nas outras três conferências, com destaque para os direitos sexuais e reprodutivos, bem como a inclusão da discriminação racial e étnica como um obstáculo à igualdade e eqüidade entre as mulheres e compromete governos, organismos internacionais e sociedade civil na responsabilidade de construir um mundo de justiça e igualdade.
Cotas não reduzem desigualdade
A política de cotas, criada para estimular a participação das mulheres na política, não tem surtido o efeito desejado. Em 1997, a legislação eleitoral brasileira estabeleceu que cada partido ou coligação deve reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% do número de candidaturas para cada sexo. Mas não há nenhum mecanismo que obrigue os partidos a preencherem essas vagas. A deputada federal Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) quer mudar a lei para estimular a participação feminina.
Ela destaca que em 2004, o número de mulheres eleitas aumentou apenas 1 ponto percentual em relação a 2000 – de 12% para 13%. Considerada instrumento importante na luta das mulheres pela conquista de espaço maior na política, a lei precisa ser aperfeiçoada. A Lei de Cotas não conseguiu amenizar a desigualdade entre os homens e as mulheres no que ser refere a presença na vida política do país.
A deputada comunista apresentou, há duas semanas, um projeto de lei para alterar a Lei nº 9.504/97, que dispões sobre o percentual de candidatos entre os sexos. A grande mudança em relação à regra vigente é obrigatoriedade dos partidos de preencher o percentual de cotas mínimas, sob risco de serem punidos com o cancelamento do registro de todos os seus candidatos. A atual lei de cotas não pune os partidos que não obedecem à cota mínima.
“Os partidos têm um perfil machista. As direções partidárias são formadas, em sua grande maioria, por homens. Isto afasta as mulheres dos partidos. Quando se abrir mais espaços para as mulheres, haverá mais equilíbrio. Os partidos passarão a buscar as candidatas”, destaca Vanessa.
Recado para mulheres e homens
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB/RJ), que tem pautado o mandato em defesa da igualdade de direitos das mulheres, faz uma declaração formal neste 8 de Março: “Parabenizo as mulheres e homens feministas, que vêm reforçar todas as bandeiras e nossa história no Brasil. Eu diria que nossa atuação hoje é marcada por uma ação suprapartidária que foi sustentada em construções, formulações e lutas feitas pelo Movimento Autônomo de Mulheres, pelas formuladoras da Academia, por aquelas mulheres que ocuparam a institucionalidade e por aquelas que hoje constroem a luta no Parlamento e no Executivo e conquistam a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, os Conselhos, as Comissões Especiais do Senado e da Câmara”.
Jandira acrescenta que “é preciso compreender o que significa para cada família, para cada filho, para cada mãe a importância do acesso fundamental à vida, a nossa capacidade de acesso equânime às questões, quebrando tabus morais e religiosos, a fim de que tenhamos a igualdade preservando a nossa diferença, ou seja, a igualdade no sentido mais progressista, que é a equidade de acesso, de benefícios, de voz, de debate, de comando e de poder”.
Para a deputada do Rio, foram quebrados tabus com a discussão no Parlamento sobre aborto, união civil entre pessoas do mesmo sexo, direitos sexuais reprodutivos no Brasil e fora dele. “A bancada feminina tem enfrentado debates que, há 10 anos, talvez não fossem feitos com tanta profundidade”, diz ela.
A deputada destaca que “a dupla opressão de classe e de gênero precisa ser tratada, para que possamos ter avanços fundamentais e importantes e possamos, não apenas no 8 de Março, mas nos 365 dias do ano, reduzir o drama das nossas estatísticas, que precisam deixar de ser estatísticas, porque nenhuma mulher pode morrer ao dar a vida a outro ser”.
Fonte: Diário Vermelho
De Brasília, Márcia Xavier