Escalada rumo ao poder – Publicada em 18.01.2005
José Meirelles Passos – Correspondente de O Globo em WASHINGTON
A emergência de quatro países como influentes atores globais — China, Índia, Brasil e Indonésia — e, principalmente, uma potencial forte aliança entre eles farão surgir não apenas um novo e poderoso bloco como também provocará transformações significativas na geopolítica mundial ao longo dos próximos 15 anos.
Nesse período, a hegemonia dos Estados Unidos sofrerá desgastes, tornando-se mais vulnerável ao que acontecer em outros países na medida em que se aprofundarão as conexões no comércio global. A Europa terá de adaptar sua força de trabalho, sob o risco de enfrentar um período de prolongada estagnação econômica. E instituições como as Nações Unidas, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial correrão o risco de se tornarem obsoletas se não se ajustarem às mudanças que serão provocadas pelo surgimento desse novo pólo de poder.
Essa é a conclusão de um amplo e minucioso estudo que acaba de ser feito pelo Conselho de Inteligência Nacional dos Estados Unidos (NIC, na sigla em inglês), que reúne as 15 agências de inteligência do país e é coordenado pela CIA, a Agência Central de Inteligência. A coleta de dados e a sua interpretação foram realizadas para indicar ao governo americano os riscos que tem pela frente, e sugerir maneiras de se lidar com a nova ordem mundial.
Brasil em posição privilegiada
O documento final, sob o título “Mapeando o futuro global”, traça as perspectivas mundiais até 2020, apontando China e Índia como os dois principais fatores das mudanças que já estão se desenvolvendo, e que culminarão numa reviravolta sócio-político-financeira.
“As potências arrivistas — China, Índia, e talvez outras como Brasil e Indonésia — poderão promover um novo conjunto de alinhamentos internacionais, marcando potencialmente uma ruptura definitiva de algumas instituições e práticas pós-Segunda Guerra”, diz um trecho do estudo obtido pelo GLOBO, e que deverá ser divulgado esta semana pelo NIC. As sugestões dos analistas que servirão de base à reavaliação da política externa americana, diante das previsões contidas no estudo, permanecerão sigilosas.
A projeção da China, da Índia, do Brasil e da Indonésia no cenário mundial é apontada como algo semelhante ao advento da Alemanha unida no século XIX e ao poder obtido pelos EUA no século XX. O século XXI, segundo analistas, pode ser visto como a era em que a Ásia, liderada por China e Índia, passará a ser uma verdadeira potência — graças a uma combinação de alto crescimento econômico, expansão de suas capacidades militares e força de trabalho de suas grandes populações.
A avaliação diz ainda que embora China, Índia, Brasil e Indonésia tenham um impacto geopolítico mais limitado, o seu crescimento econômico e uma potencial aliança entre eles “vão criar uma nova paisagem”. China e Índia se tornarão líderes tecnológicos, e as corporações multinacionais terão suas principais bases em China, Índia e Brasil.
O documento diz ainda que “as empresas se tornarão globais e as corporações ficarão cada vez mais fora do controle de qualquer Estado”, acrescentando que elas serão responsáveis pela “disseminação da tecnologia, o que vai integrar mais a economia mundial e promover o progresso econômico no mundo em desenvolvimento”.
Outro trecho assinala que “China, Índia, Brasil e Indonésia têm o potencial de tornar obsoletas as antigas categorias de Leste e Oeste, Norte e Sul, alinhados e não-alinhados, desenvolvidos e em desenvolvimento. Tradicionais grupamentos geográficos cada vez mais perderão destaque nas relações internacionais.”
O Brasil é definido nesse quadro como “um país com vibrante democracia, economia diversificada e população empreendedora, um grande patrimônio nacional e sólidas instituições econômicas”. Os analistas do NIC insinuam que o Brasil estaria numa posição privilegiada pois continuará sendo encarado como “um parceiro natural tanto dos EUA quanto da Europa, quanto das potências emergentes China e Índia, “e tem ainda o potencial de aumentar a sua influência como um grande exportador de petróleo”.
Eles dizem que o sucesso ou o fracasso do Brasil “em equilibrar medidas pró-crescimento econômico com uma ambiciosa agenda social, que reduza a pobreza e a desigualdade de renda, terá um profundo impacto no comportamento econômico de toda a região e de seus governos durante os próximos 15 anos”.
O documento prevê que o Produto Interno Bruto da China será maior do que o de todas as potências ocidentais ao longo dos próximos 15 anos, ficando abaixo apenas do PIB dos EUA. O da Índia vai suplantar ou, no mínimo, será igual ao das economias européias. Em 2020, a China terá uma população de 1,4 bilhão de pessoas e a da Índia será de 1,3 bilhão, “mas o seu padrão de vida não precisará se aproximar dos níveis ocidentais para que estes países se tornem importantes potências econômicas”, diz um trecho do estudo.
A economia do Brasil poderá ser igual à dos países ricos da Europa, e a da Indonésia se aproximará desse índice. Assim como a Europa, o Japão e a Rússia sofrerão a crise do envelhecimento de sua população e do baixo índice de nascimentos. Segundo o estudo, apesar de a economia mundial continuar crescendo “de forma impressionante” até 2020 — ela deverá ser 80% maior do que a de 2000 e a média per capita será 50% mais alta —, os benefícios da globalização não serão gerais.
O estudo também faz um alerta: “governos frágeis, economias atrasadas, extremismo religioso e o crescimento da juventude vão se alinhar para criar uma tempestade perfeita para conflitos internos em várias regiões. Alguns deles, particularmente os que envolvem grupos étnicos além das fronteiras nacionais, criarão o risco de uma escalada de conflitos regionais”.
Uma América Latina dividida?
WASHINGTON. Em relação à América Latina, a análise das agências americanas de inteligência diz que “países da região que estão se adaptando de forma mais efetiva aos desafios vêm construindo instituições democráticas mais robustas para implementar políticas mais inclusivas e positivas e melhorar a confiança dos cidadãos e dos investidores”.
No entanto, em alguns deles, “as falhas das elites em se adaptar às crescentes exigências dos mercados livres e da democracia provavelmente alimentarão um renascimento do populismo e incitarão movimentos indígenas”, adverte a previsão para os próximos 15 anos.
Globalização deve separar Cone Sul de México e América Central
A globalização, segundo o estudo do Conselho Nacional de Inteligência dos EUA, poderá aprofundar a divisão e servir para separar ainda mais os países latino-americanos em termos econômicos, comerciais e de investimentos. “À medida que o Cone Sul — particularmente Brasil e Chile — buscam novos parceiros na Ásia e na Europa, a América Central e o México, junto com os países andinos, poderão ficar para trás e permanecer dependentes dos EUA e do Canadá como seus parceiros comerciais preferenciais e fornecedores de ajuda”, diz um trecho.
Segundo a análise, a ineficácia de governos evitou que muitos países da região alcançassem benefícios econômicos e sociais gerados pela maior integração da economia global na década passada. “Em vez disso, a distância entre ricos e pobres aumentou. Nos próximos 15 anos, os efeitos do contínuo crescimento econômico e da integração global deverão ser desiguais e fragmentários”, diz o estudo.
Em função disso, aumentarão os riscos do aparecimento de líderes populistas, historicamente comuns na região, que jogariam com as preocupações populares diante de desigualdades entre os que têm algo e os que nada têm nos países mais frágeis da América Central e dos países andinos, assim como em partes do México.
(J.M.P.)
Fonte: O Globo – 18.01.2005