Cotas e conselhos comunitários são alvos de críticas – publicada em 16.03.2005
CAMILA MARQUES
da Folha Online
Além de reclamar da falta de metas do anteprojeto de reforma universitária, os reitores da USP, Unicamp e Unesp são contrários a outros dois pontos de grande importância para o Ministério da Educação: as cotas para egressos de escolas públicas e a criação dos conselhos comunitários. De acordo com o projeto do MEC, 50% das vagas das instituições federais de ensino superior deverão ser reservadas para afrodescendentes, índios e alunos egressos do ensino público.
Segundo o projeto, o conselho comunitário social será uma entidade de caráter opinativo, e não normativo, e que será composto por sindicatos, associações de classe e entidades corporativas da sociedade civil. Os conselhos poderão emitir opiniões e fazer relatórios sobre o desempenho da instituição.
“Toda universidade sabe qual é o anseio da sociedade e da comunidade em que está inserida. E elas têm muito o que contribuir, é louvável que participem do projeto, mas não como um conselho comunitário”, diz Marcos Macari, reitor da Unesp. Segundo ele, a sociedade já tem representantes no conselho universitário da instituição, inclusive com poder de voto.
Carlos Brito, reitor da Unicamp, e Adolpho Melfi, da USP, têm exatamente o mesmo discurso: são contrários ao conselho do jeito em que está descrito no projeto.
“É um equívoco na maneira em como está sendo proposto. O objetivo de aumentar as conexões com a sociedade é adequado, mas para funcionar, [os conselhos] deveriam existir de acordo com um tema. Grupos que discutissem as políticas do hospital universitário, ou da área de tecnologia”, afirma Brito.
Além disso, diz ele, o conselho universitário atual já tem membros externos. “Foi de um membro da sociedade, inclusive, que partiu a sugestão da política afirmativa que implantamos”. Em seu vestibular, a Unicamp dá pontos extras para afrodescendentes e alunos de escolas públicas, condicionando o ingresso na faculdade ao desempenho na prova, e não na cor da pele ou na renda.
“O que o ministro fala que eles serão conselheiros consultivos. Mas no projeto da reforma, se verifica que esse conselho vai opinar no processo de avaliação da universidade, ou seja, terá força de influenciar o destino da instituição. Sou totalmente contrário a isso. Do jeito que está, ele fere a tão defendida autonomia”, diz Melfi.
Cotas
O mesmo tom de insatisfação é adotado pelos reitores na definição de cotas para egressos de escolas públicas e afrodescendentes –estes últimos, deverão ter espaço na universidade na mesma proporção que se encontram na sociedade, segundo definir o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). De acordo com o projeto do MEC, 50% das vagas das instituições federais de ensino superior deverão ser reservadas para esses grupos sociais.
“Acho as cotas interessantes, mas não de maneira impositiva como quer o projeto, com a reserva de vagas de uma hora para outra. O que deveria ser feito é o estabelecimento de uma meta. No caso, de que 50% das vagas fossem ocupadas por alunos de escolas públicas em X anos. E ficaria, assim, a cargo da universidade ou faculdade definir como isso seria feito”, sugere Marcos Macari.
Ele lembra que, em 1989, o governo de São Paulo definiu um aumento de 33% das vagas noturnas em universidades públicas estaduais, dando um prazo para que isso ocorresse. “Então nós criamos mecanismos, abrindo cursos e aumentando cadeiras. Em meados dos anos 90, a inserção foi cumprida. Mas não com uma medida normativa”, diz.
Segundo Brito, as cotas mais uma vez esbarram na questão da autonomia. “Wm vez de estabelecer um objetivo, querem pôr a mão no modo em como promoveremos a inclusão. Eles vão, assim, tocar no ponto principal da seleção, que é a qualidade dos alunos”, acredita Brito.
Para Melfi, as políticas afirmativas funcionam melhor do que o simples estabelecimento de cotas, porque levam aos bancos universitários alunos capacitados de fato. “Dar isenção de inscrição já traz muita gente para a prova. Além disso, é preciso levar as escolas para as regiões necessitadas. Na USP Leste, por exemplo, 22% dos alunos são afro-descendentes e 47% vieram de escolas públicas. Na Cidade Universitária, esses número são, respectivamente, de 10% e 28%”, explica o reitor da USP.
Segundo os três reitores, a realidade é que, com o atual modelo universitário, não vai se resolver o problema de exclusão educacional. É preciso investir em ensino fundamental e médio para abrir ao aluno um leque de oportunidades. Aí sim o estudante carente poderá escolher o que fazer. “Não é o simples acesso ao ensino superior que promoverá a inclusão social”, afirma o reitor da Unicamp.