Considerações sobre o documento Estratégia de Educação 2035
Por. Professor Fernando Antonio Gonçalves
"O golpe de 1964 abateu-se com especial fúria sobre Pernambuco e o Recife. Dizimaram a esquerda, o movimento dos trabalhadores, o movimento católico político-intelectual, o movimento estudantil; exilaram parte importante das lideranças, foram-se o clima de debates e as iniciativas inovadoras, o Movimento de Cultura Popular e Paulo Freire, a reforma transformadora da Sudene. Ficou apenas a voz solitária de dom Hélder Câmara, que, aliás, empossou-se na arquidiocese nos primeiros dias pós-golpe com um discurso cuja coragem e dignidade deveriam fazê-lo figurar numa antologia dos grandes discursos cívico-políticos brasileiros. Nascia ali a Igreja da Resistência, que teve nele e em dom Paulo Evaristo Arns seus momentos e expressões mais altos".
IN: Oliveira, Francisco de, Noiva da revolução; Elegia para uma re(li)gião, São Paulo, Boitempo, 2008, p. 85
Inicialmente, penso em registrar que senti falta de uma análise de conjuntura que caminhasse para as estratégias sugeridas.
É verdade que Pernambuco vive uma fase progressista, mas há uma diversidade de cenários futuros que poderão modificar a atual conjuntura, em prejuízo das áreas nevrálgicas do Estado: educação, saúde, segurança, desenvolvimento social e desenvolvimento econômico.
Já se noticia um elevado número de pessoas em idade economicamente ativa, fora do mercado de trabalho, quer seja por falta de especialização, ou por não mais procurar trabalho em razão das dificuldades encontradas. Não se tem clareza da manutenção dos programas de transferência de renda a exemplo do bolsa família, vale gás, entre outros. Não se sabe ainda o número de trabalhadores que se encontram em benefício, recebendo da previdência social.
O boom na construção civil e nos preços estratosféricos dos imóveis novos e usados tende a se assentar em bases mais concretas e compatíveis. Todos estes elementos podem modificar as projeções apresentadas.
Também não percebemos no documento apresentado qualquer ação em direção à comunidade extraclasse e nenhuma previsão de ação de responsabilidade social. A projeção ainda não contempla mecanismos de avaliação quantitativos e qualitativos, fundamentais para que se redirecione, se amplie ou mesmo se retome paradigmas anteriores.
Faltou-nos ainda informações sobre a cativação que deverá ser implementada para arregimentar novos quadros para a educação, em razão de sua redução, pouca qualificação e ausência de critérios objetivos de avaliação e premiação por razões de meritocracia.
Por último, defendemos ensino público, universal e de qualidade, daí não entendermos ser de bom alvitre a concessão das bolsas, que anos atrás serviram de mecanismos eleitoreiros e só beneficiavam os apaniguados. Não concordamos ainda com a proposta de vouchers ou equivalentes, pelas mesmas razões em relação às bolsas de estudo. Em relação às PPP (Parcerias Público Privadas) não temos ainda um juízo de valores formado. Há uma experiência em andamento em nosso estado que é a da COMPESA, com pretensão de sanear a RMR e oferecer água de qualidade à população em médio prazo, ainda em fase de implantação e a desastrada PPP para construção e administração do Presídio de Itaquitinga, que só deu resultados funestos ao município, que além de não receber a contrapartida negociada com o Poder Executivo Estadual, assistiu a “quebradeira” do comércio e rede municipal de serviços em razão do descumprimento de acordos e prazos. O presídio não foi concluído, não está em operação e o governo do estado ainda não encontrou solução para a situação de fato.
Defendo a tese de que as projeções se deem em bases não ufanistas e que seja precedida por uma análise de conjuntura que fortaleça as propostas e as priorize de acordo com nossa capacidade técnica, operacional e financeira.
Defendo ainda, a explicitação de que conceito estamos tratando ao lidar com Direitos Humanos, o mais simples que vem da máxima: A simplicidade e o poder dos Direitos Humanos vêm da ideia de que todas as pessoas são dotadas de dignidade inerente e de direitos iguais e inalienáveis, ou o mais complexo: “Direitos Humanos não são apenas heranças a ser preservadas, mas também invenção a ser recriada”. (Samuel Moyn, Universidade de Colúmbia). Parece simples a questão, mas não o é, especialmente em relação à educação que deve para ser universal atingir nossa população metropolitana, nossa população rural, nossa população indígena e a nossa população tradicional, a saber: afrodescendentes, quilombolas, ciganos, entre outros, que devem ter suas culturas preservadas e respeitadas.
Educação é uma grande alavanca de inclusão e como tal merece todo nosso carinho e atenção, sem perder o foco de que nosso grande desafio é atingir inclusive e especialmente os interesses dos educandos, sujeitos de direitos. Penso que também seria da maior conveniência termos como estratégia ações de responsabilidade social, onde benefícios não seriam exclusivos dos envolvidos primários, mas destinados a toda comunidade, a toda sociedade.
Quanto aos outros temas, a exemplo da mobilidade, deixo de fazer maiores considerações, em razão das informações que circulam na grande mídia, por ocasião das grandes obras previstas para receber a copa do mundo. Obras caras, muitas vezes com preços superfaturados, acordos que contrariam o interesse público, e inexecução das obras que seriam mais necessárias para atender a população pernambucana. Poderíamos pensar em um exercício:
“um quadro referencial, composto por três pilares: Proteger, Respeitar e Remediar;
1 – o dever do Estado de proteger contra os abusos cometidos por terceiros contra os direitos humanos por terceiros, incluindo empresas/ instituições, por meio de políticas, regulamentação e julgamento apropriados;
2 – a responsabilidade independente das empresas de respeitar os direitos humanos, o que significa realizar processos de auditoria (due diligencie) para evitar a violação de direitos de outros e abordar os impactos negativos com os quais as empresas/instituições estão envolvidas;
3 – a necessidade de maior acesso das vítimas à reparação efetiva, por meio de ações judiciais e extrajudiciais”.
IN: Ruggie, John Gerard, Por que empresas e Direitos Humanos; São Paulo, Ed. Planeta Sustentável, 2014, p. 23.
Sem querer polemizar, lanço as presentes e preliminares contribuições para que aqui não comunguemos com o famigerado complexo de “yes, mem” ou síndrome de lagartixa, que em tudo se concorda e não se consegue avançar por que o “rei está nu” e ninguém tem coragem de dizer isto ao rei e que se espelhe na dignidade e nos ensinamentos de Paulo Freire, Dom Hélder Câmara e dos que sempre lutaram por um Pernambuco maior e melhor.
Concluindo, lembro uma máxima de Dom Hélder Câmara: “Até um relógio parado, tem razão duas vezes ao dia”.