O que esses jovens têm a nos ensinar?

Por: ITAMAR LAGES*

Abro um diálogo com docentes e pessoas amigas de outras categorias profissionais, e também com estudantes que, num misto de dureza e ternura questionaram a minha participação na passeata do dia 14 de junho do corrente ano. O questionamento tem a ver com as seguintes perguntas: não há uma pessoa ou grupo que exerça explicitamente a liderança; a demanda não é apenas por causa do preço da passagem; as manifestações não são concluídas com uma pessoa de destaque fazendo análise de conjuntura e propondo encaminhamentos.

Afinal, que Movimento é esse que está ocorrendo em um momento de vazio de lideranças político-partidárias, sindicais e de outras entidades como a UNE, que durante a ditadura fazia convocações e propunha os encaminhamentos? Que Movimento é esse que pauta uma questão tão pontual como o elevado custo das passagens de ônibus e permite outras tantas pautas? Quem estará por trás desse Movimento? Os Grupos organizados da direita ou da esquerda?

Para mim essas questões são pertinentes. Eu mesmo as tenho presente em minha consciência, até porque eu me reconheço histórica e existencialmente como integrante da classe-que-vive-do-trabalho, portanto, interessado nos destinos que resultam de acontecimentos como os que decorrem do Movimento em evidencia.

Todavia, em vez de me imobilizar, essas questões me impulsionam à participação. Isso acontece porque tenho reformulado assim as questões: as lideranças político-partidárias, sindicais e de outras entidades como da UNE não perceberam o quanto têm se afastado dos contingentes quem formam as suas bases? Que tem participado muito de momentos infrutíferos de negociações e de pouquíssimos (ou mesmo nenhum) atos de indignação? Que a indignação devidamente expressa nos atos políticos são impulsionadores da instituição do novo? Que o novo pode surgir inclusive de demandas pontuais? Que a indignação contra o elevado preço da passagem de ônibus pode e deve fortalecer a luta pelo custeio da tarifa de passagens urbanas por toda a Sociedade, ou seja, da tarifa zero? Por que a Sociedade pernambucana, por exemplo, pagar as contas dos impostos renunciados pelos Governos do Estado e da União? Por que os Governos não consultam a população quando têm que fazer a renúncia fiscal, considerando que o custo financeiro é repassado à população? Considerando ainda que as pessoas mais excluídas de bens e serviços são as que mais pagam a conta dessas renúncias fiscais? Pagam com o precário acesso à educação e à saúde, dentre outras políticas. Pagam tendo que suportar em seus cotidianos a truculência policial.

Como não sei as respostas para as perguntas que me fazem e nem para as que eu tenho feito, optei por conhecer os jovens, moças e rapazes que dirigem esse Movimento. Dirigem de uma forma muito diferente daquela que eu aprendi em minhas vivências políticas. Dirigem sem hierarquias. Dirigem horizontalmente. Não me parecem estar teleguiadas por Grupos de direita ou de esquerda.

As pessoas que dirigem esse Movimento de Ocupação das Ruas do Recife não tiveram receios de acolher a mim com os meus receios. Com elas tenho aprendido a defender a tarifa zero para o transporte público; tenho aprendido também que essa medida é econômica e politicamente possível. Fiquei contente em saber que essas pessoas também se posicionam em defesa de uma Sociedade igualitária. Fiquei contente também por ter encontrado na bandeira de luta em favor do direito à saúde um motivo para defender a tarifa zero: o transporte público de qualidade e financiado pela Sociedade é um determinante da situação de saúde de indivíduos e de coletivos, visto que pode contribuir para que a cidade seja menos poluída, com o aumento da renda familiar, e com o deslocamento para Unidades do SUS.

Assim, estou e estarei nas ruas tanto em defesa da tarifa zero quanto na luta das mulheres para que sejam donas dos seus próprios corpos; na luta dos homossexuais contra o famigerado projeto de "cura gay"; na luta em favor de um Estado genuinamente laico; em favor das Políticas Públicas, contra a Copa das Confederações e a Copa do Mundo; contra a privatização da gerência nos serviços SUS; em favor das causas defendidas pelos militantes da Saúde Mental; estou e estarei levando a bandeira de autonomia política, financeira, administrativa e didática da UPE!

Como disse anteriormente, não sei as respostas para as perguntas que me fazem e nem para as que eu tenho feito, mas, por outro lado, nesse processo, estou sabendo que a Câmara Federal rejeitou por imensa maioria a PEC 37 por cauda da pressão do Movimento de Ocupação das Ruas; estou sabendo também que dentre os 430 votos de rejeição há os daqueles deputados que apenas estão tentando tirar vantagem da situação. Sei ainda que alguns veículos da mídia têm dado destaque a essa acontecimento para assim tentar tirar de foco a luta do Movimento de Ruas em favor das Políticas Públicas.

Nesse processo estou sabendo também que a proposta de plesbicito sobre a reforma política é muito importante, pois a democracia pode e deve melhorar com mais democracia, e a ação parlamentar pode ser complementada pela ação popular. Isso aconteceu na Islândia, em 2008, quando a população, percebendo o limite da democracia parlamentar, em um plesbicito defendeu e assumiu o calote ao Fundo Monetário Internacional e o ao Banco Mundial, determinando-se assim como Sociedade, e não como um Mercado de capitais. O plesbicito proposto pela Presidenta Dilma Rousseff carrega consigo a ideia de controle do Estado pela Sociedade. Eu defendo essa ideia e suas causas.

Enfim, sei que até posso dizer a esses jovens sobre o que não fazer, mas tenho, sobretudo, ao lado deles, me rejuvenescido e aprendido sobre o que fazer. E, como diz um poeta que esses jovens amam, “dessa luta não me retiro…”. São por esses e outros motivos que convido a quem, com ternura e firmeza me questiona, a participar comigo desse Movimento de Ocupação das Ruas do Recife!

ITAMAR LAGES é professor da FENSG e presidente da Adupe


Para ajudar na compreensão sobre a tarifa zero:

Movimento passe livre

Roda Viva – Movimento Passe Livre. Nina Cappello e Lucas Monteiro de Lima (Bloco 1).

Roda Viva – Movimento Passe Livre. Nina Cappello e Lucas Monteiro de Lima (Bloco 2).

Roda Viva – Movimento Passe Livre (Bloco 3).

Conheça sobre as possibilidades da proposta tarifa zero

Votação sobre a PEC-37

Tonny
Author: Tonny

Comente ou reporte um erro

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *